JORNAL COMENTADO 242
10:58 - Sexta-feira, 20 - 2015
Coluna Raio Laser, jornal "Tribuna da Bahia"
"Mentiras e descaso (ainda
sobre o mar de lama)
Alex Ferraz
Dilma, Aécio e Marina tiveram gordas contribuições da Vale do Rio Doce para suas campanhas eleitorais
Insisto em tratar aqui do
tremendo escândalo em que se transformou o rompimento de uma das centenas de
barragens de mineração existente no Brasil, neste caso em Minas Gerais , estado
que tem o maior número delas. Faço isso porque, sem falsa modéstia – e embora
nem de longe seja especialista no assunto -, fui seguramente um dos primeiros
na imprensa nacional a chamar a atenção, logo no dia seguinte ao desastre, e
enquanto toda a mídia pisava em ovos para tratar do tema, para o fato de que estávamos
(e ainda estaremos, talvez até por mais de um século) vivendo o pior desastre
ecológico no Brasil. Aliás, como classificou um especialista em entrevista,
ontem, à BandNews TV, este é um dos cinco maiores desastres ecológicos do
mundo, colocando-se ao lado – e de certa forma até com maior gravidade, devido
à extensão da área atingida – de Chernobyl (1986, na antiga União Soviética) e
do ocorrido na cidade italiana de Seveso, onde, em 10 de julho de 1976, tanques
de armazenagem na indústria química ICMESA romperam, liberando vários
quilogramas da dioxina TCDD na atmosfera e o produto espalhou-se por grande
área na planície entre Milão e o Lago de
Como. Devido à contaminação, três mil animais morreram e outros 70 mil tiveram
que ser sacrificados para evitar a entrada da dioxina na cadeia alimentar.
Acredita-se que não tenha havido mortes de seres humanos diretamente vinculadas
ao acidente, mas 193 pessoas nas áreas afetadas sofreram de diversos sintomas.
Pois bem. Voltando ao
Brasil, o desastre de Minas, cuja lama tóxica deve chegar neste fim de semana
ao Oceano Atlântico, na costa do Espírito Santo, podendo destruir corais, matar
peixes, destruir a flora e mesmo afetar as baleias no santuário de Abrolhos, já
na Bahia, sofreu cínicas e revoltantes tentativas de minimização, tanto da
parte de autoridades do governo estadual mineiro e do federal, como, claro, dos
dirigentes da Vale, em resumo, a responsável pela empresa Samarco, diretamente
ligada à barragem.
São mentiras que se diria
“comuns” em governos e empresas de quase todo o mundo (com exceção rara e
honrosa, claro, de algumas sociedades com alto nível de civilidade), mas que,
na maioria das nações um pouco mais sérias, podem derrubar governos e fechar
empresas.
Aqui, jamais. Começa que a
Vale, responsável geral pela mineração, financiou campanhas eleitorais de muita
gente, inclusive da própria presidente da República, Dilma Rousseff, e do
governador de Minas, Fernando Pimentel. Aliás, este chegou à atitude patética
de antecipar-se às declarações da própria empresa, logo após o desastre,
garantindo que a lama não era tóxica e minimizando de forma criminosa os
efeitos, hoje vistos por todos, catastróficos do evento.
Entre outros que receberam
fortunas da Vale para suas campanhas estão, vejam só, o presidente da Câmara,
Eduardo Cunha, o senador Aécio Neves e a ex-senadora Marina Silva. De acordo
com dados do próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o chamado “Clube dos
Seis” financiado pela Vale engloba os seguintes partidos e quantias: PMDB, R$
23.550.000; PT, R$ 8.250.000; PSDB, R$ 6.960.000; PSB, R$ 3.500.000; PP, R$
1.500.000 e, ora, ora, o PCdoB, com R$ 1.500.000.
Não é à toa que o novo
Código de Mineração, em processo de análise e votação no Congresso, estabelece
mil vantagens e prioridades para as mineradoras (de forma escandalosa, pode
crer) e determina, de forma explícita, que elas têm prioridade sobre populações
e áreas de outro tipo de atividade. Todos, no Congresso, trabalhando a soldo da
Vale e, claro, desdenhando da vida e da economia dos milhões de eleitores
comuns que os colocaram lá.
Bem, fala-se que os efeitos
dramáticos do desastre levarão, no mínimo, DÉCADAS para serem sanados (pela
própria natureza), e, em alguns casos, a recuperação total, pasmem, pode durar
até 150 anos, conforme entrevistas de especialistas que, agora, duas semanas do
ocorrido, foram procurados com seriedade por parte da mídia.
A lama é ALTAMENTE tóxica e
pode levar à contaminação por cromo, manganês e mercúrio, entre outros metais
tóxicos, alguns deles causando câncer.
Vejamos algumas informações
científicas:
MERCÚRIO
A contaminação por mercúrio
provoca:
Náuseas, vômitos, diarreia,
aumento da pressão arterial e, a longo prazo, problemas nos rins ou cérebro,
assim como, alterações na visão, audição e problemas de memória.
As fontes de contaminação
podem ser águas contaminadas com mercúrio, contato direto com o interior das
lâmpadas e pilhas e alguns tratamentos dentários.
CROMO
A inalação ou ingestão de cromo pode provocar:
Irritação no nariz,
dificuldade para respirar, asma e tosse constante. Já a longo prazo, podem
surgir lesões permanentes no fígado, rins, sistema circulatório e pele.
MANGANÊS
De acordo com artigo
científico publicado no site Trabalhoseguro.com.br, “a semelhança entre a
intoxicação pelo manganês e o parkinsonismo pressupõe mecanismos de ação também
semelhantes, como, por exemplo, as alterações no metabolismo das catecolaminas
do cérebro, especialmente a Dopamina. Outra alteração importante é a degeneração
e redução da melanina da substância negra, estrutura que, junto com o corpo
estriado e o globo pálido, participam do sistema extrapiramidal. Em resumo: um
desastre para o sistema nervoso.
E MAIS
A contaminação com metais
pesados pode levar meses ou anos para se manifestar, mas é importante que o
tratamento inicie o mais cedo possível para evitar complicações de saúde.
Para encerrar: alguém aí acredita que a Vale e
sua empresa subsidiária vão mesmo pagar os mais de R$ 1 bilhão que somam as
multas já aplicadas e aquelas ameaçadas? Particularmente, duvido solenemente.
Sabemos como a Justiça brasileira é pródiga em liminares favoráveis aos réus e
até mesmo atrasos propositais em processos que envolvem governos ou grandes
empresas. Apela-se aqui, apela-se ali, e, no frigir dos ovos, se houver, a
multa e/ou a indenização serão de valores pífios.
Quantos aos políticos e
governantes, como já ficou explícito aqui, são, na sua maioria, servos da Vale
e não gente preocupada com a sociedade. Ah, sim, um lembrete: as queimadas, da
Bahia a Goiás, e inclusive na Amazônia, são criminosas, mas seus autores, podem
crer, terão carta branca para destruir a natureza. E haja saco!
DA LAMA AO CAOS
O Departamento Nacional de
Produção Mineral, DNPM, entre cujas funções estão a autorização da instalação
de mineradoras e a fiscalização das mais de 700 barragens de mineração
existentes no Brasil, está literalmente falido. Tem apenas cinco técnicos de
alta especialidade para cuidar de tudo isso. E o dirigente pediu demissão uma
semana após o desastre de Minas Gerais. Não há verbas para nada, só cargos para
agradar a políticos. É um retrato deste País.
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